Tuesday, April 25, 2006

Chegada da TV digital no Brasil ativa a rede

Quando falamos sobre TV no Brasil o assunto sempre alcança grande repercussão. Trata-se de uma mídia de altíssima penetração e influência no país -- 98% da população acessa pelo menos uma vez na semana (dado: anatel), e a proximidade da Copa do Mundo transforma o eletrodoméstico em ícone da mobilização nacional em torno da seleção de futebol. Pois é neste contexto que aterrissa no Brasil o debate sobre a implementação TV digital, e a rede novamente parece ser o espaço onde a troca de idéias e argumentos acontece da forma mais produtiva.

No país do futebol, quando se quer argumentar de forma eficiente e direta, bons comunicadores recorrem às analogias esportivas. E para dar o 'pontapé inicial' no processo de decisão que lhe parecia urgente, o ministro das comunicações Sr. Hélio Costa, ao apresentar o tema em audiência pública na Câmara dos Deputados em fins de janeiro, não economizou recursos para conseguir uma rápida decisão do presidente Lula:
"Coloquei a bola na marca do pênalti para o presidente. Ele pode chutar e marcar um gol de placa (1), pode chutar devagar e a bola entrar de mansinho (2) ou pode chutar para fora (3)"
Min. Hélio Costa - Audiência sobre TV Digital na Câmara dos Deputados - in Pênalti Digital - Blog Silepse
O ministro, que em sua juventude foi conhecido repórter de uma grande rede de TV no país, tratou de didaticamente formatar a escolha: existem 3 sistemas de TV digital disponíveis no mercado mundial: o japonês (1), o europeu (2) e o americano (3). Em um ano que além de Copa do Mundo temos também eleição presidencial, onde a TV adquire enorme influência no cenário, parecia adequado que as decisões sobre a implantação da TV digital fossem tomadas rapidamente.
"De olho na reeleição e na própria sustentação política imediata, o presidente Lula da Silva vem sofrendo pressões diretas das Organizações Globo para forçar uma escolha, imediata, do modelo de negócio e do padrão tecnológico que vão definir o sistema “brasileiro” de rádio e televisão digital a ser adotado no País."
As intrigas, os interesses, e os dilemas políticos, econômicos, tecnológicos ou culturais do rádio e tevê digital no Brasil - Alerta Total - Blog

"Há vários motivos para crer que essa decisão apressada é um desastre: primeiro, porque ela estará sendo tomada baseada simplesmente em pressões e lobbies, sem um debate amplo com a sociedade e sem a adoção de medidas para beneficiar o interesse público. Segundo, porque ela virá sem qualquer estrutura legal que a “receba”, necessariamente infringindo a arcaica regulação (ou ausência de regulação) que impera na área de radiodifusão. Terceiro, pelo fato de ela não permitir o aproveitamento das pesquisas coordenadas pelo CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações) e realizadas por consórcios de cerca de 80 universidades e institutos de pesquisa no Brasil."
TV Digital: não chuta que é gol contra, presidente! - Nós Não Vamos Pagar Nada - Blog
A blogosfera tratou de alargar o debate, que à princípio estava restrito a questões tecnológicas ininteligíveis para o grande público. Era necessário identificar e entender quais as oportunidades que se abririam com a chegada do novo padrão de mídia, e também descobrir quem são os atores nesse processo de decisão, e quais seus verdadeiros interesses.
"Raras são as reportagens que tocam na questão principal do tema: a digitalização da TV traz consigo a possibilidade de otimização do uso do espectro eletromagnético de radiodifusão. Ou seja, dependendo das decisões que forem tomadas agora pelo governo, poderemos ter muito mais emissoras de TV em um futuro próximo. É a chance real de diminuir a concentração de propriedade no setor. Hoje, apenas seis redes privadas nacionais dominam o mercado de TV no Brasil."
TV Digital: o que a mídia grande não diz - FUD (Fear, Uncertainty and Doubt) - Blog

"As redes de TV pressionam o governo pelo padrão japonês (ISDB). Esse modelo privilegia a alta definição e permite que os celulares captem os sinais diretos das antenas de TV sem passar pelas operadoras de celulares. Isso garante que as redes de TV continuem com o monopólio de transmissão.
TV Digital - Pensamento Nômade - Blog
O presidente Lula entendeu o recado. Percebeu que o tema era muito mais complexo e importante do que o discurso inicial de seu ministro fazia parecer, e tratou de convidar mais interlocutores para o debate. Em março o tema já girava em torno de linhas especiais de financiamento oferecidos por bancos japoneses e europeus, e a possibilidade da instalação de fábricas de chips no país passou a ser o fiel da balança na decisão. Recentemente uma comitiva governamental visitou o Japão, assinando um "memorando de intenções" para trabalho conjunto no sistema brasileiro de tv digital -- a questão parecia liquidada. Mas tudo indica que a decisão ainda não foi tomada, e o presidente Lula deverá visitar autoridades da UE nas próximas semanas.
"Segundo a Agência EFE, o governo japonês não ficou muito satisfeito não. A imprensa japonesa publicou reportagens mencionando a frustação do governo do país com o teor do memorando, no qual o Brasil expressa apenas o seu "forte desejo" de adotar o formato de TV digital japonês, sem se comprometer de fato com a adoção. O Japão tinha a esperança de que o Governo brasileiro comunicasse a escolha do padrão de TV digital japonês durante a visita."
TV Digital - Japoneses se dizem frustados com memorando assinado hoje - Circuito - Blog

"O poderoso lobby das empresas européias interessadas em implantar, no Brasil, o padrão de televisão digital DVB (Digital Vídeo Broadcasting) acena com a possibilidade de investir pesado na campanha eleitoral petista, caso saia vencedor. Os franco-italianos acenam com qualquer negócio para tirar da jogada da digitalização do rádio e tevê o também endinheirado lobby japonês defensor do sistema ISDB (Integrated Service Digital Broadcasting), cujos representantes, nos bastidores, também acenam com generosos "investimentos eleitorais".
Lobbies europeu e japonês pela digitalização do rádio e tevê no Brasil acenam com mega ajuda para campanha reeleitoral de Lula - Alerta Total - Blog
Em meio a tudo isso o ministro da cultura, Gilberto Gil, reconhecido mundialmente pela sua defesa do livre acesso ao conhecimento e à cultura, afirma que neste debate 'o que importa é o conteúdo'. Inadvertidamente acabou criando uma situação de conflito no governo ao dar voz às manifestações populares contrárias à condução da implementação da TV digital. Ao proceder uma aula inaugural na UFRJ, entoou a leitura de um cordel (veja no youtube) que entre outras coisas chamou o ministro Hélio Costa de 'empresário boçal', dono de uma 'conversa bosta'. A rede registrou:
"Dentro deste quadro de reações criativas à ditadura nos meios de comunicação, na política e na economia, surgiu também o Cordel da TV Digital, em texto, áudio e vídeo, digno de ser divulgado para a população em geral, tendo em vista sintetizar de forma lúdica e simples um assunto de grande complexidade e relevância, permitindo melhor palatabilidade junto aos nossos 74 % de analfabetos e semi-analfabetos em nosso idioma, bem como aos 20 % de analfabetos políticos plenamente conscientes das possibilidades da flor do Lácio."
SBTVD: O melhor do Brasil é o brasileiro!!! - Ensandecer de um Computólogo - Blog

"A correlação de forças do governo vem sendo bastante ambígua. O ministério das comunicações é, desde o início do governo, uma moeda de troca com partidos da base aliada... Nesta semana o ministro da cultura, Gilberto Gil, leu na inauguração de uma escola de comunicação no Rio de Janeiro um cordel da jornalista pernambucana Luciana Rabelo, que ressalta a importância da ampla discussão com a sociedade, e ataca Hélio Costa."
TV Digital – Entre a democratização da comunicação e a manutenção do latifúndio midiático - Veias Abertas - Blog

"O ministro da Cultura, Gilberto Gil, esclarece que o texto “Brasileiros atenção – O cordel da TV Digital” — lido por ele, ontem (dia 29), durante a aula inaugural para os alunos do curso de Comunicação da UFRJ — não expressa a sua opinião no debate governamental sobre TV Digital. No contexto da aula, o ministro da Cultura falava sobre Democracia e a necessidade de os governantes tratarem as críticas com tranqüilidade, apontando o texto como um dos exemplos das diversas formas de manifestação expressadas pela sociedade em um governo democrático."
Nota de Esclarecimento - Ministério da Cultura
O debate sobre o sistema de tv digital a ser implementado no Brasil segue cooptando cada vez mais adeptos. Uma comunidade do orkut lançou um selo (ao lado) que está se espalhando por sites e blogs, e a maioria já percebeu que a decisão apressada só interessava a quem estava com pressa. Já está claro também que a decisão do modelo tecnológico, embora importante, é apenas o primeiro passo para uma reforma muito mais ampla e profunda, que exigirá a mobilização dos vários setores da sociedade. Uma discussão que toca a distinção básica entre público e privado, a qual vem ganhando a visibilidade necessária graças à rede nossa de cada dia.
"A manutenção do status quo do oligopólio de mídia que controla as comunicações no Brasil não está garantido com a “simples” escolha do ISDB como padrão de modulação da TV digital aberta no Brasil. O que não podemos permitir é que, se esta escolha vier a acontecer, o passo seguinte (o início das transmissões de teste) seja dado. Temos que garantir que qualquer transmissão em digital só seja feita após a aprovação de uma Lei Geral das Comunicações... A principal medida a ser tomada agora é debater com a sociedade o que realmente está envolvido na questão da TV digital. É denunciar à Justiça caso o governo venha a escolher oficialmente o ISDB como padrão de modulação da TV digital brasileira. É impedir qualquer tentativa de criar fatos consumados... Temos que ter uma lei, votada pelos representantes do povo, que diga o que pode e o que não pode ser feito nesta nova mídia que agora se inaugura. Estamos, portanto, longe do fim desta guerra. Com ou sem ISDB."
O fato consumado da TV Digital - Gustavo Gindre - Agência Carta Maior

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