Tuesday, April 18, 2006

Política de cotas nas universidades brasileiras: o debate online

Está em curso no país um debate da maior importância, que avalia a pertinência da política de cotas que vêm sendo implementada em algumas instituições públicas de ensino superior*. A discussão irá esquentar nas proximas semanas, quando deverá ser apreciado pelo congresso o Projeto de Lei nº 3627/2004, que institui Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, e regulamentará a discriminação afirmativa como política de estado.

Caso ocorresse há uma década atrás, este debate estaria restrito às próprias universidades e ao congresso, e teria que contar com a boa vontade dos veículos tradicionais de mídia para alcançar a visibilidade necessária. Hoje, através dos foruns e listas de discussão online, sites setoriais e principalmente dos blogs, a rede encumbe-se de aumentar o raio de alcance do diálogo sobre as cotas, e permite que novos e diversos atores sociais manifestem-se de forma efetiva, somando novas perspectivas e iluminando possibilidades antes não imaginadas.


A proposta em debate no congresso obriga as instituições federais de ensino superior e de ensino técnico de nível médio a reservar 50% das vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Dentro do percentual de 50%, será dada preferência a alunos que se declararem negros ou índios, em uma proporção igual à população de negros, pardos e indígenas levantada no último censo demográfico.

O ambiente digital brasileiro vêm discutindo o tema há algum tempo, e a argumentação apresenta detalhes e nuances que vão além da polarização sobre a pertinência, ou não, das políticas de ação afirmativa. A votação do Projeto de Lei ora em curso, que introduz a ênfase nas cotas socioeconômicas sobre as cotas étnicas, coloca à prova a capacidade da rede em atualizar o público interessado sobre o significado das novas condicionantes na questão. Como esperado, a blogosfera disponibiliza apreciações com variados graus de profundidade e colorido ideológico:

Quem pode pagar pelo ensino de qualidade assim o fará, sempre. É, inclusive, uma forma mais eficiente de fazer o dinheiro circular: quem pode, paga. Não vou discutir sobre fins sociais. De qualquer maneira, vejo uma espécie de vingança oculta, uma coisa meio inconsciente na mente dos defensores das cotas. Algo como se dissessem "vocês nos oprimiram nesses últimos 506 anos e agora nós vamos dar o troco". Tiram dos ricos para dar aos pobres? Isso é injusto, principalmente se lembrarmos que muitos alunos das universidades públicas não são ricos. Esses existem, claro, mas são em número inferior às vagas oferecidas anualmente. Outro ponto a ser considerado é o das cotas nas cotas. Além de separar metade das vagas para os estudantes da escola pública, parte delas será dedicada aos afro-descendentes e índios. Índios?
Cotas: privilégio e realidade - blog 'Segredos de Fátima

O argumento de que o investimento em outros setores da educação evitaria a adoção de cotas nas universidades é extremamente cínico, para não dizer burro. A grande verdade é que há 30, 40 anos atrás, quando o ensino público gratuito era de primeiríssima qualidade, poucos eram os negros que tinham acesso a ele. E mesmo hoje, as melhores escolas públicas tais como Cefet, Pedro II, entre outras, contam com uma freqüência de brancos absoluta. Portanto, é o contrário; temos, sim, que pleitear cotas também nos colégios de aplicação, Pedro II, Cefet etc..

Quem tem medo da cor das cotas? - blog 'Grito Sufocado'

A campanha por cotas para alunos de escolas públicas em universidades públicas é uma campanha que mostra uma solução populista, hipócrita e demagoga para acalmar os ânimos de cidadãos justamente irritados com os problemas da educação. Não vamos fazer a reforma violenta e revolucionária que se mostra mais do que urgente no ensino médio e fundamental público. Vamos adotar uma medida “emergencial” para empurrar o problema para um futuro distante e agradar os eleitores de agora.

Cotas - blog 'The right to be wrong'
O debate muitas vezes se dá diretamente nos comentários, como este abaixo, que comenta o post acima:

Num país de apolitizados e excluídos... onde a maioria vive à margem da sociedade, onde cidadania é palavra estranha... É neste país que você propõe a simples melhora do ensino médio...e enquanto isso os ricos se aproveitam das universidades públicas... Talvez o sistema de cotas seja o único capaz de resolver pelo menos parte do problema...talvez assim o excluído se politize e ganhe força e quem sabe então ele lute por todas as melhoras necessárias...
Comentário de 'Ego Freak' no post Cotas - blog 'The right to be wrong'
Ilustrando outra modalidade de intervenção, muitos blogs conceituados servem como caixa de ressonância para artigos sobre o tema, publicados em variados tipos de site e também na mídia tradicional. Apresentando argumentações mais requintadas, mas sempre em reforço à opinião do blogueiro, tais postagens trazem links, e em muitos casos a íntegra de tais artigos.
O debate sobre as cotas é um debate sobre o Brasil. O que está em pauta são dois projetos de combate ao racismo: um pela via do fortalecimento das identidades “raciais” e, em última análise, do genocídio dos “pardos”, “caboclos”, “morenos”etc.; outro pela via do anti-racismo que procura concentrar esforços na diminuição das diferenças de classe e uma luta contínua contra as representações negativas atribuídas às pessoas mais escuras. Esses projetos também são projetos distintos de nação. Um vislumbra uma nação pautada das diferenças “étnicas/raciais”—isto é uma nação de comunidades. Outro projeto aposta na construção de uma cidadania com direitos em comum independentemente de “raça”, “etnia”, gênero, orientação sexual, etc., salvaguardando o direito de cada individuo a seguir o estilo de vida que mais lhe convém—isto é uma nação de indivíduos. Enfim, argumentamos que não se pode acabar com o racismo com uma política que entroniza a “raça”. Quando o Estado legisla sobre esta matéria ele funda a “raça”, cria justamente aquilo que quer ver destruído. Merecemos melhor solução para os graves problemas que nos assolam.
Peter Fry e Yvonne Maggie sobre cotas nas universidades - Simon's Blog

Quanto à questão étnica é absolutamente necessário que a sociedade republicana brasileira reconheça a discriminação ocorrida desde seus primórdios e proponha soluções efetivas para saldar essa dívida. Porém, soluções no âmbito apenas do acesso ao ensino superior sem estende-las às demais instituições ou espaços de atuação social como forma de criar oportunidades na formação da elite e de participação nos processos decisórios da sociedade brasileira parece incoerência ou simplificação do problema, o que confere aromas de populismo e demagogia. Qual é a justificativa para não estabelecer cotas étnicas para os demais concursos públicos, inclusive para docentes das IFES, as mesmas que aprovaram para os alunos? Por que os demais poderes republicanos estão excluídos das cotas? Como explicar a ausência de cotas raciais na composição do Judiciário. E nos parlamentos, estes sim com a obrigação de representar o perfil da sociedade brasileira.

Artigo de Gustavo Balduino, linkado em 'O Olho Dínamo'
Outra forma interessante de ativar a dinâmica do tema são as reportagens sobre eventos, palestras e debates que estão acontecendo (e também os que não estão), revelando as abordagens e a dinâmica que o tema provoca nas diferentes regiões do país.
O que diferencia boas de más decisões... são as percepções distintas do cenário presente (e as motivações para vê-lo dessa ou dessa forma), sobre o qual se dão tais decisões; e, igualmente, a variação da capacidade em discriminar seus antecedentes. Nesses quesitos, prevaleceram ontem no painel "Debate sobre sistema de cotas étnico-raciais" na UFRGS os defensores do regime de cotas raciais. Como Onir Araújo, defendo não a atual proposta que destina, dentro dos 50% assegurados para egressos de escolas públicas, sub-cotas para negros e índios, mas a aprovação de um sistema de cotas diretas para negros e pardos.
Cotas Raciais e a Democracia Escandalizada - blog 'O Olho Dínamo'

A Rede Globo, no Jornal Nacional, criticou o projeto que regulamenta cotas para alunos do ensino público, bem como para negros e indígenas: os deficientes cívicos. O jornalista dizia que não foi feita uma ampla discussão envolvendo a sociedade e que o imediatismo era eleitoreiro e irresponsável. Como um desastrado partidário da dialética, o Jornal Nacional ouviu duas pessoas: uma antropóloga, contrária ao sistema de cotas, e um deputado do PSB do Espírito Santo – que apareceu pela primeira vez em cadeia nacional –, também contrário às cotas. Qual debate? Ora, eu pergunto, se a Globo realmente tem interesse num debate amplo envolvendo a sociedade, acadêmicos e políticos, por que ela nunca promoveu uma discussão? Por que ela nunca patrocinou um debate no horário do besteirol Big Brother?
Trecho de artigo de Lelê Teles, in Debate de uma nota só - blog 'Cyrano disse'
O debate está animado, e ainda deve esquentar. A dinâmica é arejada e promove também a mudança de opinião, como bem apresentado pelo blogueiro 'Liberal, Libertário, Libertino':
Eu era contra as cotas. Entretanto, depois de seis meses de leituras intensas, já estou revertendo uma posição que sempre tive. A partir de hoje, vou a favor das cotas. Basicamente, o que mudou meu raciocínio foi a seguinte realização: os efeitos nocivos da escravidão continuam afetando os descendentes de suas vítimas diretas. Naturalmente, a política de cotas gera uma série de outros problemas operacionais, que são os descritos no meu post original e também nesse aqui. Intervir num sistema meritocrático que funciona é como introduzir uma nova espécie em um ecossistema complexo: você nunca tem certeza absoluta do que vai acontecer. Basicamente, está se criando uma nova injustiça pra se reparar uma velha injustiça. Quase sempre dá merda. Mas, uma vez decidida a questão filosófica, realmente não há mais opção. Os problemas operacionais a gente senta e resolve, nem que seja por tentativa e erro. Deixem suas objeções operacionais para depois. Por enquanto, me digam porque acham que os afrodescendentes NÃO merecem reparação pela escravidão.
A Favor das Cotas - Liberal, Libertário, Libertino - blog
Vamos acompanhar o tema. Os links aqui disponibilizados já constituem bom roteiro para atualizações, e o convite à participação é quase irrecusável.

(*) Segundo Frei David Santos, do Educafro, 30 universidades em todas as regiões do país já adotam sistema de reservas de vagas. A formatação das cotas varia, atendendo em maior ou menor grau estudantes de escolas públicas, negros e indígenas. Exemplo é a UnB, cuja reserva é de 20% das vagas para estudantes que se autodenominarem negros. Na mesma linha, a Universidade Estadual da Bahia destina 40% das cotas para negros oriundos da rede pública, a Universidade Federal do Pará (UFPA) reserva 50% para alunos da rede pública, sendo 40% para negros, e a Universidade Federal do Paraná (UFPR) coloca 20% de vagas para estudantes de escola pública e 20% para alunos negros.

2 comments:

Vinicius Alves said...

Hoje quando você liga a televisão e ver um negro aparecendo de relance em uma propaganda ou em uma novela,o que você acha disso?

Escolha a Opção abaixo responda no meu blog !, http://peixesnasnuvens.blogspot.com/

1ºOs publicitários brancos e os escritores de novelas,estão se conscientizando que é preciso reforça a presença de pessoas negras,para que haja um resgate da sua cultura que foi massacrada ao longo dos tempos pelos brancos colonizadores ?

2º Ou por Causa do Estatuto da Igualdade Racial que prevê que a presença de negros nos meios de comunicação não seja inferior a 20%
dos figurantes brancos?

3º Que o Ronaldinho Gaúcho o Ronaldo fenômeno e o Pelé ,só viraram jogadores de futebol porque o negro não tem a capacidade de exerce outra função ao não ser das artes e do esporte.? Ou que lhes foram negados a oportunidade de escolha e viram o futebol como a única ferramenta de sair da exclusão ?

Admin Patrick said...

Caso ocorresse há uma década atrás, este debate estaria restrito às próprias universidades e ao congresso, e teria que contar com a boa vontade dos veículos tradicionais de mídia para alcançar a visibilidade necessária. Hoje, através dos foruns e listas de discussão online, sites setoriais e principalmente dos blogs, a rede encumbe-se de aumentar o raio de alcance do diálogo sobre as cotas, e permite que novos e diversos atores sociais manifestem-se de forma efetiva, Tips merawat Android somando novas perspectivas e iluminando possibilidades antes não imaginadas.